O relevo calcário do Maciço do
Sicó, no centro de Portugal, representa um reduto paisagístico dominado por
superfícies secas, com vertentes de rocha nua misturada com vegetação arbustiva
mediterrânica. Por aqui, as comunidades rurais estão limitadas pelos recursos
hidrícos disponíveis. Numa região onde a água superficial é praticamente
inexistente, predominam vales secos e depressões cársicas ocupadas por culturas
de sequeiro e pastoreio. As águas escoam de forma subterrânea, numa rede densa
de grutas, que se estendem ao longo da Orla Ocidental portuguesa e que alimentam
os aquíferos da região.
A Norte da Serra do Rabaçal, a poucos
quilómetros de Condeixa-a-Nova, a estrada municipal 609 leva-nos até à aldeia
de Casmilo. Uma aldeia serrana esquecida, povoada com pouco mais de uma dezena
de idosos, de onde os jovens fugiram e os risos das crianças nas ruas são uma
memória longínqua. Casmilo não é uma aldeia diferente de tantas outras. É o
retrato de um país desigual, com dois ritmos diferenciados: um urbano, outro
rural.
O que nos trouxe a Casmilo foi o
Vale das Buracas, um vale com vertentes abruptas e nuas, onde existem vários abrigos
rochosos, as chamadas “buracas”. Há outros locais no Maciço do Sicó com buracas
semelhantes, como são os casos do Vale do Poio ou do Vale de Covões, mas aqui,
em Casmilo, este vale encantador apresenta a maior concentração de buracas do
país.
Recentemente foi criado um
percurso pedestre que tem início na aldeia de Casmilo e percorre a paisagem
cársica da região, atravessando campos de lapiás (formas de rocha nua
acinzentada, perfurada e lavrada por sulcos mais ou menos profundos e
estreitos), vertentes “povoadas” de espécies mediterrânicas, áreas deprimidas
ocupadas por milho e alguns produtos hortículas e oliveiras rodeadas por
circulos de rocha calcária. Este percurso pedestre permite conhecer as
limitações naturais da região, bem como apreciar a forma como as populações
ultrapassaram estes condicionalismos e viveram durante anos em harmonia com o
meio.
O Vale das Buracas é a cereja no
topo do bolo desse percurso. Depois de apreciar a paisagem e o modo de vida da
população local, chega-se a este vale acolhedor e magnífico. As buracas podem
apresentar forma elíptica ou circular e as suas dimensões são muito variáveis.
As buracas mais pequenas apresentam cerca de 2 a 3 metros de largura e 1 a 2
metros de profundidade. Estas pequenas buracas quase passam despercebidas, já
que as grandes buracas captam verdadeiramente a atenção do visitante. Os
melhores exemplares desta morfologia podem apresentar mais de 10 metros de
diâmetro e 5 a 7 metros de profundidade, fazendo com que o Ser Humano pareça um
elemento insignificante na paisagem.
Os amantes da escalada há muito
que descobriram este local. É provável que os encontre por lá, tentando
desafiar as leis da natureza, subindo pelas vertentes rochosas do interior das
buracas.
Alguns estudos de arqueologia nos
anos 90 mostraram que estas buracas, ao longo dos séculos, tiveram diferente
ocupação humana e serviram de abrigo aos animais.
A recente abertura de uma estrada
de terra batida até às buracas veio melhorar a acessibilidade do local mas não
trouxe o progresso almejado pela população. O Srº António, habitante de
Casmilo, esperava que o aumento de visitantes dinamizasse a aldeia, levando, mesmo,
à abertura de um café e de uma mercearia. Mas tal não aconteceu. Apesar dos
visitantes e escaladores que já descobriram o Vale das Buracas, a aldeia
serrana continua a definhar e permanece esquecida no Maciço do Sicó.