Quem visita Svalbard no período do ano em que a neve e o
gelo dominam a paisagem rapidamente se dá conta que a mota de neve é o
transporte preferido dos habitantes, para deslocações dentro da cidade, mas
principalmente para sair da cidade, uma vez que fora desta existem apenas cerca
de 10 quilómetros de estrada, para oeste em direcção ao aeroporto, e para leste
em direcção à mina 7.
Quanto a passeios turísticos, ou expedições mais longas e ambiciosas,
este meio de transporte torna-se a única opção, se descontarmos a locomoção a
pé (de ski ou raquetes de neve) ou de trenó puxado a cães. Para completar a
nossa experiência no árctico de Svalbard, tínhamos de experimentar.
As opções de percursos ou expedições fora da cidade são
inúmeras, dependendo basicamente da disponibilidade em termos de dinheiro e de
tempo do cliente. Existem várias companhias turísticas especializadas que têm
percursos já delineados, de um ou mais dias, ou que podem mesmo planear uma
expedição ao gosto pessoal (e carteira) dos turistas. No entanto, nós optamos
por uma opção ainda mais personalizada.
Conhecemos o
Nuno Cruz pelo Facebook. É português e emigrou
para Longyearbyen em 2011, juntamente com a sua mulher, Sofia. Trabalha como
guia do Árctico
freelancer e, durante
a nossa estadia em Svalbard, tornamo-nos amigos. Sendo assim, aliamos o útil ao
agradável e resolvemos experimentar a sensação de andar de mota de neve na
companhia do Nuno.
Tínhamos de escolher o nosso percurso, tendo várias opções
em cima da mesa. As mais populares são a visita a Barentsburg, uma cidade sob
jurisdição russa a sudoeste de Longyearbyen, Pyramiden, a segunda cidade russa
em Svalbard (mas abandonada em 1998 devido à sua inviabilidade económica) a
norte de Longyearbyen, e à costa leste da ilha de Spitsbergen, este último um
destino preferido por aqueles que procuram um encontro com ursos polares.
Estas três opções exigem muitas horas de mota de neve,
principalmente a deslocação à costa leste, para onde é preferível ir durante
vários dias para se poder explorar áreas diferentes. No entanto, as nossas
limitações em termos de tempo e de dinheiro, e o facto de não termos
absolutamente nenhuma experiência em guiar uma mota de neve, levaram-nos a
optar por um destino mais perto e com um percurso mais acessível. Decidimo-nos
assim por visitar, num dia, o fiorde a nordeste de Longyearbyen, Tempelfjorden, com o
bónus de se poder admirar dois glaciares, Van Postbreen e Tunabreen.
Juntamente com o Nuno, a Sofia, e o seu irmão, António (que
está em Svalbard desde o ano passado), lançamo-nos então numa viagem que esperávamos
nos deixasse memórias inesquecíveis. Consultamos a previsão meteorológica, e o
dia seguinte seria um dia perfeito, com sol, sem nuvens nem vento, e não muito
frio (cerca de – 10
°C). Alugamos
as motas de neve e o material necessário (fatos de corpo inteiro, máscaras,
óculos, botas e capacetes), e reunimos o material de segurança indispensável
(espingarda, pistola de
flare e aparelho
GPS) e comida liofilizada para o almoço.
Partimos cerca das 10.00 h em direcção a Adventdalen, o vale
aberto que segue para leste, a montante do Adventfjorden. O tempo estava tão
perfeito quanto aquilo que tinha sido previsto. Espectacular! Depois de
passarmos pelos canis de cães e pela estação de auroras boreais, nos arredores
da cidade, entra-se num outro mundo. A paisagem árctica é simplesmente
avassaladora e temos a sensação de estarmos a centenas de quilómetros de
qualquer sinal de civilização. A direcção da mota vibra constantemente com os
altos e baixos do piso gelado, mas é preciso relaxar os braços e estar de olho
no terreno à nossa frente. Na verdade, o piso está excelente, e o fundo do vale
parece uma auto-estrada. O Nuno segue à frente, liderando o caminho e olhando
constantemente para trás para se assegurar que tudo corre bem.
A certa altura temos de virar para norte, em direcção a Sassendalen, passando por terreno um pouco inclinado, onde temos
oportunidade de pôr em acção as indicações que o Nuno nos tinha dado quanto à
inclinação do corpo, contrária à inclinação do terreno, necessária para o
equilíbrio da mota. A paisagem volta a impressionar, sendo que o vale abre
ainda mais e as montanhas são belíssimas. Aqui aproveitamos para parar um pouco
para descansar os braços (pelo menos eu!) e tirar algumas fotos.
Dirigimo-nos então a Tempelfjorden, às margens do qual
chegamos meia hora depois. A sua superfície está completamente gelada e
percorremos a margem à procura de um ponto onde possamos passar para o mar
gelado com segurança. Aqui as montanhas são mais recortadas (as tais que dão o
nome a Spitsbergen) e a paisagem adquire um aspecto mais selvagem. Ao fundo já
conseguimos vislumbrar os glaciares.
Passamos por três expedicionários a pé, que se dirigem
sabe-se lá para onde. São estes os verdadeiros herdeiros do espírito de
conquista e exploração do Árctico. Percorrendo os cerca de 15 km de fiorde em
direcção ao glaciar, vemos o gigante aproximar-se e sentimo-nos cada vez mais
pequenos perante a paisagem que nos rodeia.
Por razões de segurança, paramos
antes de chegar à parede frontal do glaciar, e almoçamos aí, juntando água
quente às refeições pré-cozinhadas. Que delícia! Mas naquele lugar, qualquer
comida saberia bem…
Antes de iniciarmos o percurso de volta, percorremos o
fiorde paralelamente à parede do glaciar, aproveitando para tirar fotos e fazer
filmes. Viramos então para trás. O sol estava alto e era preciso ter algum
cuidado, pois algumas zonas do gelo poderiam ter água de degelo e serem
instáveis. A atenção na condução era assim essencial. Mas tudo correu bem,
apesar do movimento de motas de neve ser algo intenso nesta zona (leia-se 2
dezenas de motas no total). Quando chegamos novamente às margens do fiorde,
voltamos a descansar um pouco e a admirar a paisagem, não sem antes eu ter
ficado com a mota encravada na neve amontoada na margem. Felizmente o Nuno
sabia o que fazer e facilmente tirou a mota do local.
Mais à frente foi a vez do António me ajudar quando a mota
se inclinava perigosamente. Quem é verdinho a conduzir uma mota de neve
acontece-lhe isto! Mas no cômputo geral estava satisfeito com a minha
prestação. Ultrapassadas estas dificuldades do terreno, entramos na “auto-estrada”
de novo e aí foi a vez de carregar (com o polegar) um pouco mais no acelerador.
Velocidade máxima atingida: 60 km/h. Não está mal…
O percurso daí até Longyearbyen foi o mesmo que tínhamos
seguido de manhã, mas o facto de estarmos a percorrê-lo em sentido contrário e do
sol estar em posição diferente fazia com que parecesse uma paisagem
completamente diferente. Diferente, mas igual… Na sua beleza e esplendor. Não
há palavras para o que se sente quando estamos em comunhão com esta terra árida
e gelada.
Quando chegamos a casa (sim, já sentíamos Longyearbyen como
casa), as nossas expectativas tinham sido ultrapassadas e demo-nos conta que
tinha sido um dia perfeito, com a companhia perfeita. Porque na vida no árctico,
tal como os antigos exploradores bem o sabiam, a amizade e a confiança nos outros são valores
indispensáveis.